quinta-feira, 2 de junho de 2011

Alegorias Sombrias

Ótimo artigo do sociologo Mario Miranda Antonio Junior. Amigo do MH2O e um importante apoiador de nossas ações no Rio de Janeiro

O cenário é desolador. Em 28 anos a taxa de mortes violentas entre os jovens brasileiros saltou 76% entre 1980 e 2008, segundo dados do Mapa da Violência 2011 – Os Jovens do Brasil. Para todos os efeitos, considera-se jovem o indivíduo situado entre 15 e 24 anos. Do ponto de vista da amostra, que é cientificamente justificada, os dados levantados colocam ainda maiores questionamentos e permitem a formulação de hipóteses. Considerando que idade biológica e cultural não tem correlação direta, conforme a dinâmica das unidades familiares modifique-se, muitos indivíduos solteiros situados entre os 25 e 35 anos do ponto de vista social são ainda considerados jovens. Se os incluísse nessa contagem, teríamos apenas mais mortos, nada mais.

Homens negros com idade entre 15 e 29 anos tem uma mortalidade maior que os brancos na mesma faixa etária. Estudo mostra que entre 2001 e 2007 os homicídios foram os responsáveis por 50% dessas mortes - IPEA. Em 2008 morreram 103% mais negros do que brancos. O aumento das mortes decorrentes de acidentes de transito cresce na mesma proporção vertiginosa que a frota de veículos. As mortes de motociclistas, por exemplo, aumentaram 754% em dez anos – 98/08.

O crime organizado expandiu-se e houve um incremento das suas atividades, as facções espalharam-se dentro e fora dos presídios, o trafico e o consumo de drogas ilícitas e licitas é célere – o consumo de crack é epidêmico. O numero de armas de fogo ilegais é incalculável e incontrolável. As mortes decorrentes de confrontos entre as forças de segurança e os criminosos são dignas de uma verdadeira guerra civil.

Em 20 anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente multiplicaram-se vertiginosamente as ocorrências de maus tratos, abandono, violências e mortes de crianças e adolescentes. Que dizem essas informações e/ou números? No contexto da democracia e da globalização, no que diz respeito às relações exteriores, ratificaram-se todos os tratados e recomendações dos organismos internacionais! Do ponto de vista interno e em decorrência desse processo, estabeleceram-se novos arranjos jurídico-institucionais. Como é possível então, a despeito de todos esses avanços civilizatórios, vivermos esse holocausto cotidiano.

Atrevo-me a fazer alguns apontamentos apenas a titulo de sugerir hipóteses que suscitem outros tantos questionamentos, de modo a propor uma reflexão para alem dos espaços acadêmicos restritos aos especialistas e políticos. Porque falamos de mortos e não de números ou teorias. As tragédias merecem mais do que estudos técnicos e propostas a arbitrárias.

Essa onda de violência não pode ser apreendida fora do contexto democrático e da Globalização, porem, ambos os processos estão estreitamente ligados. Trata-se de determinações econômicas e políticas estabelecidas no âmbito global e no qual o Brasil se insere a margem. Resultantes do fim da Guerra Fria, Consenso de Washington e Hegemonia Americana, produtos ideológicos que estabeleceram novos arranjos produtivos e modelos de organização do Estado e da sociedade. Na verdade, nenhuma novidade, apenas a fênix capitalista renascendo mais sedutora, voraz e sinistra. Arrastando atrás de si a mesma infame leva de moribundos e misérias. Porem agora, como a fênix, ressurge com aparência renovada, adequada ao novo contexto de paz, estabilidade e bonança.

Esse novo contexto redefiniu não só as relações entre as nações, mas também entre Estado e sociedade. Redefiniu as relações entre capital e trabalho, entre as empresas e as nações, entre o homem e a natureza. Evidente que essas questões não são recentes, nas nações européias estão dadas desde o século 19, no entanto, nesse atual contexto são credoras do capital global. É relevante que esse novo tipo de capital impõe essas mudanças de modo que se estabeleçam as condições necessárias para a sua livre circulação, independentemente dos interesses nacionais de qualquer espécie – sejam eles regionais, legais, econômicos, políticos, religiosos, ambientais ou sócio-culturais.

Algumas questões perecem contraditórias e mesmo mal colocadas. Como é possível essa liberalização do capital global no contexto democrático de amplas liberdades, garantias institucionais, incremento do Estado, expansão de direitos e da sociedade civil? As estratégias do capital vão alem das suposições da nossa vã sociologia!!! Passa como nos ensinou Gramsci, pela formação e cooptação de solidas bases de apoio junto à sociedade civil e pela apropriação do aparelho do Estado. Nessa estratégia as bases de formação passam necessariamente pelas instituições (de) formadoras dos quadros para manutenção e reprodução desse sistema. Por aí passam as elites intelectuais e técnicas e outros quadros dos movimentos sociais, aí incluídos os partidos e sindicatos. A expansão do incremento do Estado corresponde o seu encolhimento em setores estratégicos para a livre circulação e o exercício da exploração e acumulação capitalista. O setor privilegiado desse sistema é o capital financeiro, aquele que menos depende da infra-estrutura e do trabalho. Para ele bastam o afastamento do Estado, a regulação frouxa e alguma estabilidade econômica e política.

Para completar esse quadro, a intelligentsia cooptada pelo capital global ou a ele aliada por convicção - "parceiros" - constrói a base ideológica que se sobrepõe a realidade. Nesse sentido, cumpre o papel de amenizar ou suavizar as contradições e antagonismos, contrabalançar os efeitos perversos desse estado de coisas. Prolífica, produz incontáveis leis, normas, estatutos, estudos, pesquisas, planos, projetos, instituições, congressos, conferencias para se contrapor a realidade, como se fosse possível transformá-la sem modificar esse sistema! Trata-se de mero exercício de semântica, enfeites de retórica, tautologia, perfumaria, cosméticos e bijouterias para enfeitar um cadáver. Zelosos no discurso seguem firmes na impotência, convictos na resignação, céleres na inércia, corajosos na apatia. Sofistas, esmeram-se na manipulação; inventam métodos, metodologias, técnicas, teorias e conceitos infalíveis para transformar a realidade, sobretudo, aquela que eles não vivem ou ignoram. Assim, usam e abusam dos eufemismos, paladinos do discurso politicamente correto, canalizam e diluem os conflitos, esvaziando o conteúdo ideológico do debate político na sociedade. Fazem o jogo da burguesia por ignorância ou conveniências, não passam de demagogos e/ou necromaquiadores.

Para finalizar, restam as seguintes questões: Para quem falam os especialistas? Quem pode ouvir o que eles dizem e qual a sua relevância objetiva do ponto de vista pratico, concreto para a sociedade? Para quem falam os movimentos sociais? Qual a relevância deles para o desenvolvimento da cidadania na sociedade e a maior participação política das camadas populares? E os partidos políticos, quem eles representam? Qual a contribuição da classe política na transformação da sociedade? Nesse quadro de extermínio cotidiano em massa, quando veremos um político, um intelectual especialista ou um descolado ongueiro classe média segurando alça de caixão? Não que isso resolva alguma dessas questões, no entanto, seria ao menos inequívoca demonstração de solidariedade humana, singela demais para criaturas tão elevadas.


Mario Miranda Antonio Junior

Sociólogo

Pós em Direitos Humanos.

http://pedranocaminho.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente esta matéria e participe ativamente do dia a dia da maior Organização de Hip Hop do Brasil